Pandemia em meio aos conflitos federativos no Brasil: a governança metropolitana enquanto aposta

Entre as muitas mudanças/transformações provocadas pela pandemia do novo coronavírus, ganha notoriedade os desdobramentos do pacto federativo brasileiro. Assistimos em tempo real a discordância entre as esferas de poder, por um lado, vislumbramos a união deliberando contra as medidas impostas pelos estados, em contrapartida presenciamos estados tomando medidas isoladas se contrapondo aos municípios, e por fim obtemos como resultante medidas municipais díspares.

Ora, se a Constituição Federal de 1988, garante a autonomia entre união, estados e municípios, e a partir da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6341, publicada pelo plenário do STF no dia 15 de abril, reafirma a competência concorrente dos entes federados para o combate ao coronavírus, nos vêm a indagação de porque existe tal conflito entre os poderes? muitas são as possibilidades de resposta para este questionamento. Do ponto de vista, da autora Marona (2020), a questão pode ser entendida pela ótica da política, em meio às disputas eleitorais, dentre tantas outras podemos citar também somando-se a idéia aludida nas diferenças ideológicas entre governos/gestores. 

Nesse sentido, são inúmeras as possibilidades de análise sobre o desenrolar das ações entre os entes federados, que estão em curso, a de se reconhecer também que antes mesmo das problemáticas advindas da pandemia o federalismo brasileiro já enfrentava dificuldades, principalmente, na esfera da cooperação e coordenação.

Diante dessa discussão, uma maneira de contrapor essas problemáticas seria a governança, pois, propõe uma gestão que envolve uma dinâmica territorial e visa governar de maneira mais cooperativa e participativa nas tomadas de decisões, tudo isso aplicado de maneira horizontal de modo a afetar e envolver todos os atores da sociedade de forma integrada (DALLABRIDA, 2014).

Analisando outra escala de gestão que também foi alterada pela conjuntura do COVID-19, é delimitada pela esfera metropolitana, uma vez que as Regiões Metropolitanas (RM’s) concentram os maiores índices populacionais no Brasil, dessa forma, por consequência, as RM’s possuem os maiores números de casos da doença. Em resumo, é possível caracterizar uma Região Metropolitana como um adensamento populacional cujos limites ultrapassam as barreiras jurisdicionais de um dado município, criando assim, uma conurbação urbana, interligando municípios sob um interesse comum.

Além disso, as RM’s são um instrumento de articulação e cooperação entre os territórios, assim nota-se a necessidade de explorar como essa realidade tem se desenvolvido em relação ao quadro institucional apresentado. E potencializado por esse instrumento de gestão que a governança metropolitana ganha notoriedade, visto que a governança metropolitana perpassa instâncias de planejamento regional, como aponta Frey (2012), sendo necessário nessa corrente ampliar as dimensões horizontal e vertical, de modo a dialogar com todos os atores sociais envolvidos, favorecendo um ambiente de cooperação em meio ao caos público gerado pela pandemia. 

Portanto as RM’s possuem um diferencial positivo no combate a pandemia causado pelo COVID-19, pois, suas ações podem ser direcionadas de forma integrada, dispondo de maneiras efetivas e sem tantas disparidades, contudo, será que esses pólos metropolitanos estão atuando de forma colaborativa? A partir dessa inquietação, é oportuno refletir sobre a constituição dessas regiões e suas trajetórias. 

As dimensões associadas a Região Metropolitana na realidade brasileira iniciaram ainda na década de 70, em consonância com a ditadura militar enquanto medida de organização urbanística, sendo assim, a composição dessas regiões possuíam alto teor de centralização juntamente ao regime autoritário, sem a presença de diálogo e cooperação entre os envolvidos. 

Como apresentado por Souza (2003), a problematização das RM’s brasileiras podem ser justificadas a partir da ideia de um Path Dependency, também compreendido como “rota de dependência”, essa questão assimila a idéia eventual de que fatos do passado podem vir a interferir no presente. Portanto, ao fazer essa analogia, é inegável que, como as RM’s foram constituídas em um modelo antidemocrático, suas características perpetuam mesmo após o processo de redemocratização na década de 90, inferindo diretamente nas dificuldades governamentais e cooperativas, somando-se ainda aos impasses diante do pacto federativo, como já mencionado anteriormente.

Então, se anteriormente as ações de governança nas RM’s já eram consideradas um obstáculo incisivo, atualmente com a pandemia causada pelo COVID-19, isso se intensificou. Baseado nos conceitos aqui analisados, mais uma inquietação é levantada, como está sendo desenvolvida a governança metropolitana nas RM’s diante ao quadro instaurado? A reflexão desse questionamento será a pauta do nosso próximo artigo de opinião, sob a perspectiva local da Região Metropolitana do Cariri.

REFERÊNCIAS 

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei Complementar n° 39, de 2020. Dispõe sobre a cooperação federativa na área de saúde e assistência pública em situações de emergência de saúde pública de importância nacional ou internacional, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 23 da Constituição Federal. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8076822&ts=1585661043115&disposition=inline. Acesso em: 16 abr. 2020.

FREY, Klaus. Abordagens de governança em áreas metropolitanas da América Latina: avanços e entraves. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2012.

DALLABRIDA, Valdir Roque. Governança Territorial. In: BOULLOSA, Rosana de Freitas (org.). Dicionário para a formação em gestão social. Salvador: CIAGS/UFBA, 2014.

SOUZA, Celina. Regiões Metropolitanas: condicionantes do regime político.  Lua Nova. Revista de Cultura e Política, São Paulo, 2003.

MARONA, Marjorie. (Im)pacto Federativo: o Supremo e as disputas intergovernamentais. In: Núcleo de Estados sobre Política Local, 2020.


Autoria: Tatiana Cristina Dias Gama Nunes, Jéssica Beatriz Pereira Lima. Estudantes de Administração Pública e Gestão Social pela Universidade Federal do Cariri (UFCA). Membros da Pesquisa em Governança Metropolitana na RMC pelo LaCITE.